A água é omnipresente numa fábrica de pasta e papel. É usada em praticamente todos os estágios de produção, desde o desenvolvimento das ligações entre as fibras de celulose que dão força ao papel, até ao arrefecimento e limpeza de equipamentos, entre muitas outras missões. Esta é uma característica básica de qualquer fábrica deste tipo, mas há outra menos conhecida: a quantidade de água que permanece no produto final representa apenas uma pequena fração daquela que é utilizada, pelo que o investimento em tecnologias mais eficientes e técnicas de reaproveitamento têm reduzido drasticamente o consumo. Os projetos em curso nas fábricas da The Navigator Company têm como meta a redução do consumo específico de água entre 15 a 20% até 2025.
Há vários anos que o setor da pasta e papel dá respostas sustentáveis ao consumo de água, graças a um ciclo virtuoso com profunda base tecnológica: a água no processo produtivo é reciclada e reutilizada em vários estágios, resultado de inovações que permitem que as atuais unidades industriais do setor estejam atualizadas ou, até, superem as cada vez mais rigorosas regulamentações ambientais, como refere o “Natural Capital Protocol – Forest Products Sector Guide 2018”, no âmbito do World Business Council of Sustainable Development (WBCSD).
“Comparando com o processo produtivo no século XX, a redução considerável do consumo de água foi consequência de grandes investimentos em avanços tecnológicos, que permitiram uma constante otimização processual, através da substituição de equipamentos por outros mais eficientes. Nos últimos 30 anos, reduzimos o consumo específico de água nas nossas fábricas em cerca de 70%”, afirma Carlos Quadros, do Núcleo Técnico Ambiente, sob alçada da Direção de Ambiente e Energia (DAE) da Navigator.
O consumo específico, ou seja, a quantidade de água necessária para produzir uma unidade de produto (m3 por tonelada de pasta ou papel), representa hoje, na Navigator, um valor combinado de 21,4 m3/t, quando há três décadas rondava os 100 m3/t.
Lavagens em contracorrente
“O caminho foi feito sobretudo com o aproveitamento de águas em contracorrente ou cascata, isto é, aplicamos a água de melhor qualidade nos objetivos de limpeza mais exigentes, a qual é depois reutilizada em processos anteriores de limpeza, em equipamentos que estão colocados em série e vão fazendo a restante lavagem em contracorrente”, explica Luís Machado, Coordenador de Consultoria Tecnológica no RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e do Papel.
Mas não é só a metodologia que contribui para a sustentabilidade do processo. Os equipamentos mais eficientes (chuveiros, selagens, bombas, etc.), a eliminação e/ou redução de consumos em certas etapas – por exemplo, o descasque da madeira passou de húmido a seco – e a concentração de quase toda a água numa só entrada, potenciando depois a sua recuperação e recirculação no processo produtivo, são exemplos de como a indústria tem procurado uma boa relação com este recurso natural.
“Na produção de papel, cerca de 90% da água está a recircular na própria máquina, diluindo fibras, fazendo a sua separação por drenagem, purificando-as e recuperando-as, para continuarem a fazer estas operações e as lavagens que são necessárias”, acrescenta Luís Machado. Outras etapas também consomem água, como, por exemplo, o arrefecimento dos equipamentos. No entanto, o fecho dos circuitos de refrigeração permite recuperar essa água numa torre que a devolve ao sistema a uma temperatura mais baixa, reduzindo assim a quantidade de água fresca a utilizar.
Fiabilidade do abastecimento
“Quanto menos água consumirmos, menor é a pressão sobre os locais onde estamos a abastecer e mais preparados estaremos para as questões extremas provocadas pelas alterações climáticas. É nesse sentido que o RAIZ tem dado apoio aos vários grupos de trabalho nas fábricas da Navigator, com programas que identificam as oportunidades para reduzir o consumo de água e recuperar o mais possível aquela que está a ser utilizada”, prossegue Luís Machado. “Em Setúbal, onde tudo começou em fevereiro de 2017, foram identificadas 42 medidas com potencial de redução. E com a implementação de apenas algumas soluções registámos uma redução de 6,5% relativamente ao ano de referência”, sublinha.
A montante, a fiabilidade do abastecimento também merece a atenção da Companhia. São exemplos o açude que todos os anos é construído para impedir a intrusão salina no Rio Novo do Príncipe (troço do Rio Vouga), num serviço público que também beneficia a atividade agrícola no Baixo Vouga, ou a gestão criteriosa dos 23 poços licenciados de captação de água em Setúbal, sujeitos a manutenção e avaliação regular dos seus níveis hidrodinâmico e hidrostático.
Tratamento de efluentes
A evolução tem sido notória no uso sustentável da água e a responsabilidade ambiental da indústria reforçou a ambição da empresa. “Os projetos que desenvolvemos atualmente nas fábricas da Companhia têm como meta a redução do consumo específico de água de 15 a 20% até 2025”, acrescenta Carlos Quadros. Para tal também tem contribuído muito o que se avançou, por exemplo, no tratamento de efluentes.
Hoje, todas as unidades fabris da Navigator possuem estações de tratamento de efluentes residuais (ETAR), compostas por três fases distintas de tratamento: primário (remoção de sólidos), secundário (tratamento biológico da carga orgânica) e tratamento de lamas, cumprindo com a rigorosa legislação de descarga no meio recetor. Em cada complexo industrial, a DAE dispõe de dois técnicos em permanência, responsáveis pela avaliação dos requisitos legais decorrentes da legislação aplicável, visando a conformidade das operações e o cumprimento dos objetivos ambientais.
Nesta questão da água, o Eucalyptus globulus, a matéria-prima por excelência para a produção de pasta e papel em Portugal, detém uma função importante. Como a sua madeira é mais fácil de deslenhificar (o processo de separação das fibras de celulose da lenhina), a utilização de menores cargas de produtos químicos no cozimento e branqueamento resulta num menor volume de efluentes a recircular ou a tratar.
Dada a evolução constante no processo industrial, o que é que podemos esperar no futuro no uso sustentável da água? “A redução do consumo de água estará sempre associada aos grandes investimentos tecnológicos no processo fabril e na procura de alternativas de abastecimento, como o tratamento e reutilização de efluentes ou mesmo a dessalinização de água do mar”, refere Carlos Quadros.
“Os projetos que desenvolvemos atualmente nas fábricas da Companhia têm como meta a redução do consumo específico de água de 15 a 20% até 2025.” – Carlos Quadros, do Núcleo Técnico Ambiente da DAE.
“Quanto menos água consumirmos, menor é a pressão sobre os locais onde estamos a abastecer e mais preparados estaremos para as questões extremas provocadas pelas alterações climáticas.” Luís Machado, Coordenador de Consultoria Tecnológica no RAIZ.
Protocolo com FCT avalia potencial de valorização da água tratada
Avaliar o potencial de valorização dos efluentes tratados é o objetivo do protocolo que a The Navigator Company e a Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa celebraram no ano passado, e que já produziu um relatório relativamente à ETAR da unidade industrial de Vila Velha de Ródão. “Agora estamos a trabalhar em Setúbal e depois seguimos para a Figueira da Foz”, adianta António Mano, professor auxiliar do Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente, enquadrando o trabalho que está a ser desenvolvido: “Avaliamos a qualidade da água tratada, os processos de tratamento associados a esses efluentes e aquilo que possa ser acrescentado para podermos alcançar uma melhor qualidade, eventualmente compatível com outros usos.”
Um projeto inovador em Setúbal
A valorização dos efluentes está a ser alvo de um projeto inovador numa das ETAR do Complexo de Setúbal, tratando o efluente de forma a reintroduzi-lo no processo fabril, o que abre caminho para novas reduções na captação de água fresca.
“Durante seis meses, uma instalação piloto tratou o efluente da fábrica de papel NPS em operações de ultrafiltração (membranas com poros de muito reduzida dimensão que fazem uma filtração adicional da água final tratada) e remoção de sais acumulados no processo (cloretos, cálcio, etc.) através de osmose inversa, tendo resultado numa água genericamente com a mesma qualidade daquela que estamos a captar”, revela Luís Machado, do RAIZ, destacando a colaboração das empresas Osminergia e Aquaservice neste projeto.
“No futuro podemos usar esta água (cerca de 75% do efluente atualmente descarregado) produzida nas mesmas aplicações onde estamos a utilizar água fresca”, acrescenta o técnico. Basta que a tecnologia disponível não represente um investimento incomportável quando aplicado à escala real.