12 Março, 2019 / Bioeconomia

“Inpactus” desenvolve produtos do futuro

Da madeira podem produzir-se quase todos os bens que se obtêm do petróleo, desde plásticos a combustíveis. Estes bioprodutos inovadores têm um enorme potencial de impacto na economia e no futuro ambiental do planeta. Portugal está agora na vanguarda da investigação.

Quando, em 2030, abastecer o seu carro 100% reciclável, composto por painéis de bioplástico e fibra de carbono elaborados a partir de madeira, for pagar o biocombustível produzido a partir de biomassa e aproveitar para comprar um gelado de baunilha com vanilina e espessante feitos à base de derivados de madeira, vai recordar-se deste artigo e do projeto Inpactus.

“Um passo em direção a uma bioeconomia verde, global, sustentável e competitiva, em Portugal, baseada na indústria da pasta e do papel proveniente do eucalipto.” É assim que Carlos Pascoal Neto, diretor-geral do RAIZ – Instituto de investigação da Floresta e do Papel, resume o objetivo do projeto Inpactus, o maior investimento público-privado nacional em I&D realizado no setor florestal.

Com um orçamento de 15,3 milhões de euros, este projeto de investigação e desenvolvimento tem a missão de criar novas aplicações e novos produtos a partir do eucalipto. Os seus promotores são a The Navigator Company, o RAIZ, as universidades de Aveiro e Coimbra e, do lado do Governo, o Programa Operacional Competitividade e Internacionalização, no âmbito do FEDER, para além de outros parceiros científicos e tecnológicos, nacionais e internacionais.

Carlos Pascoal Neto, diretor-geral do RAIZ

No total, o futuro dos 41 subprojetos do Inpactus está nas mãos de uma equipa de 180 pessoas, incluindo investigadores e técnicos da Navigator e das universidades, e 50 bolseiros de investigação, que trabalham em quatro áreas: otimização da produção de pasta, otimização da produção de papel UWF, desenvolvimento de produtos inovadores no tissue e investigação em biorrefinaria (o uso integral da madeira e biomassa na produção de materiais, bioprodutos, biocombustíveis e eletricidade).

Carlos Pascoal Neto admite que, por agora, muitos dos produtos em desenvolvimento são nichos de mercado. “É difícil, neste momento, um copo de bioplástico feito a partir da madeira concorrer com um copo de plástico feito a partir de plástico petroquímico, porque pode custar 3-4 vezes mais a produzir. Mas daqui a 10 ou 20 anos, com o previsível esgotamento dos recursos fósseis e a necessária descarbonização da economia, este cenário será forçosamente alterado.”

O papel do futuro

Algum do trabalho a aprofundar no âmbito do Inpactus inclui novos produtos e potenciais novas ideias de negócio dentro da Navigator. Mas o core business da empresa também não foi esquecido. O papel e outros materiais de fibras celulósicos, com novas funcionalidades, é o futuro.

O papel, tal como o conhecemos hoje, terá sempre o seu lugar nas economias e sociedades do futuro. No entanto, prevê-se a utilização crescente do papel e das fibras papeleiras em novas aplicações, como, por exemplo, na área da embalagem inteligente, com uma impressão eletrónica no papel que permite rastrear os produtos. Ou com revestimentos específicos para produzir embalagens que retardem a degradação dos alimentos, ou até que mudem de cor ou emitam um sinal quando se aproxima a data de validade.

A importância da biorrefinaria

Entre 40 a 50 por cento do orçamento do Inpactus é dedicado às biorrefinarias, um conceito recente que coloca o foco nas novas utilizações da madeira e biomassa (matéria orgânica) depois de entrar na fábrica de pasta de papel.

Numa abordagem mais profunda à biomassa, o que está a ser desenvolvido são novas tecnologias para separar os componentes da própria madeira. Atualmente, nas fábricas de pasta e papel já é separada a fibra, mas o desafio é utilizar todos os outros compostos. Depois de obtida a pasta (essencialmente fibra de celulose), restam ainda as hemiceluloses e a lenhina, um resíduo que hoje é parcialmente queimado nas caldeiras de recuperação de químicos e de energia.

Os novos destinos desses componentes passam, por exemplo, por pegar na biomassa rica em celulose e em hemicelulose e convertê-la em moléculas mais pequenas, os açúcares simples, para produzir uma família enorme de produtos. Um dos produtos em foco no Inpactus é o etanol, um biocombustível cada vez mais valorizado como alternativa à gasolina.

Voltando aos açúcares, estes também podem ser usados para produzir ácido lático, que, por sua vez, pode ser transformado em bioplásticos como o PLA (poliácido lático), que já se encontra no mercado, ainda que produzido essencialmente a partir de fontes de biomassa que competem com a área alimentar, como o milho e a cana de açúcar.

As incríveis propriedades da celulose bacteriana

Curiosamente, outra utilização dos açúcares produzidos a partir da celulose é… produzir celulose com bactérias. Porquê? Estas bactérias que metabolizam açúcares voltam a produzir cadeias de celulose com uma configuração diferente da que se encontra nas plantas. A celulose bacteriana acaba por ser um produto com uma resistência maior, e que já é utilizado como base, por exemplo, de máscaras de beleza. Também pode ser usado no tratamento de queimaduras, como uma segunda pele que permite respirar e mantém condições asséticas para a recuperação da derme.

“A celulose bacteriana é um gigante adormecido, por causa das suas incríveis propriedades de resistência mecânica, leveza e flexibilidade. O departamento de Defesa norte-americano tem vindo a estudar a hipótese de produção de coletes à prova de bala à base de celulose”, revela Carlos Pascoal Neto.

Uma área de investigação que tem um impacto mais quotidiano é a dos biocompósitos desenvolvidos a partir da pasta de papel, e que reduzem a utilização de plástico de fontes fósseis. Trata-se de misturar fibras celulósicas com material plástico, para criar um produto com melhores propriedades mecânicas. As utilizações vão desde a indústria automóvel, para os painéis dos carros, aos utensílios domésticos de plástico, para que sejam mais leves ou tenham melhores propriedades mecânicas.

O potencial da lenhina

Uma tonelada de madeira dá origem a cerca de 500 quilos de pasta de papel. Por regra, a outra meia tonelada de biomassa é dissolvida e queimada nas caldeiras de recuperação de químicos e energia. A produção desta energia verde é algo bom no processo industrial, mas o potencial dos resíduos é muito maior.

Só a lenhina (a molécula que confere rigidez à madeira) tem múltiplas aplicações que substituem os derivados do petróleo. O licor negro, por exemplo, que é um líquido rico em lenhina, pode ser usado para produzir fibra de carbono, um material de alta resistência e grande leveza utilizado no setor automóvel, em raquetas de ténis ou em bicicletas.

Com a lenhina também é possível produzir colas e adesivos que substituam os fenóis de origem petroquímica utilizados no setor dos aglomerados de madeira. Ou fazer espumas de poliuretano para isolamentos térmicos. Mais, como a lenhina é uma molécula de grande dimensão, ao ser partida em pequenos fragmentos obtêm-se subprodutos como antioxidantes e até um composto que pode ser utilizado como aditivo alimentar com aroma a baunilha. E existem outras aplicações surpreendentes no setor alimentar.

Utilização na dieta humana

Alguns projetos de biorrefinaria no Inpactus dedicam-se à desconstrução das fibras celulósicas – que têm cerca de 1 milímetro de comprimento – para produzir estruturas micro e nanométricas e obter, em vez de um material sólido como a pasta celulósica, um gel que pode revestir o papel para lhe dar maior resistência mecânica ou constituir mesmo películas biodegradáveis que imitam o plástico.

No entanto, este material, a nanocelulose, pode ter uma utilização muito mais abrangente, como a própria dieta humana: pode ser usado como aditivo alimentar para dar consistência aos produtos (como uma gelatina ou um amido). Aos gelados, por exemplo, confere um aspeto muito cremoso, com uma enorme mais-valia: a celulose não só não é calórica, como é uma fibra…

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