12 Março, 2019 / Bioeconomia

Novas utilizações da biomassa florestal

A ficção já é realidade quando se trata de utilizar a biomassa florestal como matéria-prima para outras indústrias. Nos laboratórios do RAIZ e das universidades parceiras, as experiências provam que é possível substituir os produtos de origem petroquímica por outros mais sustentáveis, usando até os resíduos da indústria da pasta e do papel.

Frascos de celulose por todo o lado. Alunos do quarto ano de Engenharia de Materiais e Engenharia de Micro e Nanotecnologias atarefados a pesar, dissolver e misturar. A aula é de Materiais Celulósicos e Papel e estão a aprender a fazer as tintas criadas exclusivamente neste laboratório do CENIMAT|i3N, na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, para imprimir eletrónica em papel.

Ali ao lado está a máquina de screen printing, onde estas tintas especiais condutoras e semicondutoras, de carbono e de óxido de zinco, com nanopartículas, são espalhadas numa folha para construir transístores de papel. Uma alternativa – mais barata, leve, sustentável, biodegradável e flexível – à eletrónica convencional, e que, em 2008, foi notícia nos jornais mundiais e premiou Elvira Fortunato, a atual diretora do Centro.

Elvira Fortunato e Luís Pereira, investigadores do CENIMAT|i3N

Há muito que o grupo liderado pela investigadora esperava trabalhar com a The Navigator Company. “Sabemos o que queremos, mas não fazemos papel, acrescentamos valor ao papel”, explica Elvira Fortunato. Por isso, o CENIMAT|i3N e o RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e Papel apresentaram uma candidatura conjunta ao programa Portugal 2020, para criar uma matriz celulósica com características apropriadas à impressão de um biossensor que incorporasse duas tecnologias: os transístores de papel e a microfluídica.

Nas instalações universitárias foram desenvolvidas as técnicas de impressão, tornadas possíveis em impressoras domésticas a laser e a jato de tinta, para difundir cera e eletrónica no papel, trabalho desenvolvido no âmbito de uma das cinco bolsas ERC (European Research Council) que o grupo já conquistou. Esta, coordenada por Luís Pereira, pretende desenvolver novas funcionalidades para as fibras de celulose e integrá-las em dispositivos como transístores e sensores. Ao RAIZ foram passadas as exigências para um papel ideal, o mais puro possível, sem aditivos que influenciassem os resultados das análises.

O projeto tem a mais-valia de não ser apenas um biossensor descartável que funciona pela mudança de cores. A eletrónica que incorpora permite uma leitura que é enviada para um dispositivo, onde é analisada ou armazenada. Pode ser qualquer computador ou mesmo, um dia, uma aplicação para o telemóvel, que lê os valores do seu colesterol, ou se o vinho caro que comprou não é uma falsificação.

“Não é ficção, é realidade”, garante Elvira Fortunato. As aplicações desta eletrónica são inúmeras e adaptadas ao espírito da urgente substituição do plástico pelo papel.

Potencial da biomassa em investigação no RAIZ

Paula Pinto, RAIZ

No RAIZ, os laboratórios também fervilham com projetos relacionados com as novas utilizações da biomassa. “Na indústria de pasta e papel, apesar da elevada performance do processo industrial, ainda procuramos aplicações de valor acrescentado para uma fração menor dos resíduos gerados. Na perspetiva da Economia Circular, o nosso objetivo é aproveitá-los como matérias-primas para outras indústrias”, refere Paula Pinto, Coordenadora de I&D Tecnológica.

Alexandre Gaspar, RAIZ

Na realidade, “a bioeconomia pretende encontrar rotas alternativas à indústria petroquímica, e é possível fazê-lo com produtos como a celulose, a hemicelulose e a lenhina”, garante Alexandre Gaspar, responsável por vários desses projetos. E é esse trabalho que desenvolvem no RAIZ.

Projetos no RAIZ para novas utilizações da biomassa

Biossensores de papel

Foi criado um papel específico para combinar duas tecnologias, a microfluídica e a impressão de circuitos eletrónicos. A prova de conceito faz a análise de pH, mas os biossensores podem também ser usados para testes de diagnósticos rápidos com aplicação médica, para a análise mais complexa de bactérias na água, ou em embalagens inteligentes.

Aplicação: Testes rápidos, baratos e ecológicos de fluidos e embalagens inteligentes
Copromotores: Un. Nova de Lisboa/CENIMAT|i3N

BiocharBiochar
As lamas biológicas, remanescentes do tratamento secundário de efluentes fabris, são submetidas a pirólise (tratamento térmico até 600 graus) para produzir esta espécie de biocarvão que serve como aditivo em fertilizantes, para libertar carbono e outros nutrientes de forma controlada. Na Universidade de Aveiro avalia-se o efeito do tempo e da temperatura na constituição do biochar e no RAIZ é feito o controlo para verificar a viabilidade do projeto.

Copromotores: Un. Aveiro e VentilAQUA, S.A.
Parceiro: Saint-Gobain Weber

Espumas de poliuretanoEspumas de poliuretano
A lenhina do licor negro industrial pode ser usada como matéria-prima na produção de poliuretanos, que têm as características estruturais adequadas, por exemplo, para isolamento térmico e acústico. A experiência permitiu avaliar a incorporação de percentagens de lenhina para determinar em que medida é possível substituir os componentes de origem não renovável sem perder as características ideais das espumas.

Aplicação: Substituição parcial dos componentes petroquímicos nas espumas isolantes
Copromotor: Instituto Politécnico de Bragança

Geopolímeros
A partir das cinzas volantes capturadas no filtro das caldeiras de biomassa, verificou-se ser possível produzir materiais de construção não estruturais, que servem, por exemplo, para fazer lancis de passeios e outros revestimentos de espaços públicos. Os geopolímeros também foram testados como materiais tamponizantes de pH ou como adsorventes em sistemas de tratamento de águas.

Aplicação: Materiais para construção não estrutural e do setor do ambiente
Copromotores: Un. Aveiro e VentilAQUA, S.A.
Parceiro: Saint-Gobain Weber

Materiais betuminososMateriais betuminosos
Mais um projeto demonstrador que contempla a utilização de dregs e grits (resíduos industriais que ainda não são valorizados) para a produção de pavimentos para estradas, substituindo materiais atualmente extraídos de pedreiras. O projeto prevê a construção de 300 metros de pavimento (para testes de durabilidade e de resistência mecânica) e pórticos pré-fabricados com argamassa ecológica, incorporando um outro resíduo: lamas de carbonato de cálcio.

Copromotor: Un. Aveiro
Parceiros: Megavia e SPRAL

Vanilina e compostos aromáticosVanilina e compostos aromáticos
Um dos principais compostos do aroma artificial baunilha é a vanilina, produzida a partir de uma fonte petroquímica. Mas existe outra via: fazê-lo a partir de uma fração da madeira, a lenhina, que é separada da celulose durante o processo de cozimento, sob a forma de licor negro. A mistura produzida a partir da lenhina é algo já usado também para o envelhecimento artificial de bebidas espirituosas.

Aplicação: Substituição total da matéria-prima petroquímica na produção de aromas
Copromotor: Faculdade de Engenharia da Un. Porto

Life No_WasteLife No_Waste
Outro destino privilegiado para as cinzas e para as lamas biológicas é a remediação de solos degradados de minas. Esta mistura ajuda a equilibrar o pH do solo e fornece matéria orgânica com nutrientes. Os ensaios realizados na Universidade de Aveiro foram bem-sucedidos, com o crescimento de plantas nos solos tratados, e o projeto-piloto já está a funcionar nas Minas de São Domingos, onde foram definidos talhões para testar este material.

Copromotor: Un. Aveiro

Bioprodutos e bioplásticosBioprodutos e bioplásticos
Tudo o que consumimos no dia-a-dia produzido a partir de biomassa florestal e agrícola é um bioproduto. A produção de ácido láctico a partir dos açúcares da biomassa é a base da produção de bioplásticos PLA e há outro ácido, o succínico (usado em plastificantes, no setor alimentar, produtos de higiene e saúde, aditivos para tintas, colas e vernizes), que também pode ser produzido com biomassa.

Aplicação: Substituição de todos os químicos, plásticos e combustíveis de origem petroquímica
Copromotores: Instituto Superior Técnico; LNEG; Un. Coimbra e Un. Aveiro
Parceiro: Biotrend

BiocombustíveisBiocombustíveis
Há vários anos que a Navigator testa a produção de bioetanol de segunda geração, ou seja, que não consome recursos que podem ser usados para a produção alimentar. Primeiro extraindo açúcares das aparas de madeira, depois utilizando as lamas primárias das suas fábricas, e mais tarde com diferentes biomassas florestais disponíveis em Portugal.

Aplicação: A partir de 2021 é obrigatória a incorporação de biocombustíveis avançados (de origem celulósica) nos combustíveis petroquímicos
Copromotores: LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia; Un. Coimbra

BiocompósitosBiocompósitos
As aplicações mais desenvolvidas desta mistura de fibras naturais com plásticos estão na indústria aeronáutica e automóvel (tabliers dos carros e das aeronaves), embora seja também aplicada em objetos de uso quotidiano, como utensílios de cozinha ou colunas de som. Após anos de I&D, o projeto avança para a industrialização no setor de máquinas de injeção e na impressão 3D.

Aplicação: Qualquer objeto que seja atualmente feito de plástico
Copromotores: PIEP/Un. Minho; Instituto Pedro Nunes; Un. Aveiro

Óleos essenciaisÓleos essenciais
Portugal já teve a liderança europeia do mercado dos óleos essenciais de eucalipto mas perdeu-a para a China. Com a recente mecanização da recolha de biomassa na floresta e algumas sinergias nas fábricas de pasta, poderia ser possível recuperar esse peso. Estes óleos, extraídos das folhas, têm aplicação em produtos farmacêuticos, na cosmética e nos perfumes, em antissépticos, desinfetantes e ambientadores.

Aplicação: Cosmética e farmacêutica
Copromotores: Un. Coimbra; LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia

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