25 Fevereiro, 2019 / Papel

A poesia do papel

Sem tesoura, sem cortes, sem cola. O origami é uma arte na qual a folha de papel é a essência e as mãos as ferramentas. E também uma atividade ideal para descontrair, pôr as preocupações de lado e deixar a mente divagar sem rumo.

Atualmente, a busca por técnicas de relaxamento e descontração, que permitam descansar a mente e “desligar” dos problemas é uma constante. Da mais tradicional meditação até aos mais recentes livros de colorir para adultos, tudo é válido desde que cumpra o objetivo de aliviar o stress. E há uma atividade “nova” a ganhar espaço nesta área: o origami.

O objetivo é criar formas tridimensionais a partir da dobragem de uma folha de papel. E, quer se esteja a dobrar um gatinho fofinho ou uma maléfica figura de um zombie comedor de cérebros, o origami é antisstress e meditativo – o mundo e os problemas desaparecem à medida que as pessoas se focam nos seus dedos e no papel.

A combinação perfeita entre criatividade e regras é um dos principais encantos desta atividade. Por um lado, mesmo as pessoas menos “artísticas” conseguem criar algo belo se seguirem as regras. Por outro, seguir regras passo a passo é apaziguante para o cérebro humano; é um elemento de concentração, que limpa a mente das distrações e das preocupações.

Apesar dos benefícios enquanto atividade zen, o origami é exigente. Os verdadeiros mestres praticam há décadas e as instruções de dobragem mais complexas são elaboradas por matemáticos e podem envolver muitas centenas de dobras e vincos intrincados. No entanto, não é preciso dobrar como um mestre para que a mente retire benefícios para lidar com o stress e reencontrar o equilíbrio. Basta aprender os princípios básicos e divertir-se a tentar.

O origami parecia ter esgotado as suas capacidades ao nível das formas, até que, nos anos 80, atraiu a atenção dos matemáticos, que começaram a aplicar os princípios da geometria aos padrões dobráveis. As dobras tornaram–se mais precisas e complexas, e chegámos a um ponto em que praticamente tudo é possível

Origami

Em criança, a Marta Figueiroa fazia barcos, chapéus, aviões e quantos-queres, como tantos miúdos da sua idade. Um dia, uma amiga da tia ensinou-lhe a fazer um sapo que saltava, mas foi só quando começou a ter acesso à internet que experimentou outros modelos; “já teria uns 18 anos”, recorda. Em 2007, a agora arquiteta criou o Clube de Origami do Porto, um clube informal, que não exige número de sócio ou inscrição prévia: na data dos encontros, basta aparecer e dobrar.

Aos 55 anos, Carla Silva já leva 46 de prática de origami. “Continuo a achar fascinante como de uma superfície plana, com dedicação, talvez até amor, se conseguem criar formas e dar vida a uma folha de papel”, diz. Para além de ser uma dobradora hábil, dinamiza dois workshops gratuitos todos os meses, nas Caldas da Rainha, um no Centro da Juventude e outro na Biblioteca Municipal. Costuma também ensinar esta arte em jardins de infância e lares de terceira idade.

A verdade é que o origami não tem idade. Além das propriedades “terapêuticas” do seu lado mais zen, é uma técnica que melhora a memória, as habilidades motoras e a autoestima, e ensina paciência, perseverança e conceitos de matemática. Desenvolve a criatividade e a inspiração, enquanto joga com cores, texturas e formas. É a poesia do papel.

História difusa

O papel degrada-se com facilidade, não deixando pistas que provem, sem sombra de dúvidas, onde o origami teve origem.

Os livros de História dizem-nos que o papel foi inventado na China, por Ts’ai Lun, no ano 105. E o bom senso diz-nos que, se havia papel, então também haveria dobragem de papel. No entanto, nem toda a dobragem de papel, pura e simples, é origami. Assim, sem certezas, mas com um relativo consenso, assume-se que o termo teve origem no Japão, onde se dobra papel há pelo menos 400 anos, para fins decorativos, funcionais e cerimoniais (se pensarmos apenas em cerimónias, seria há mais de 400 anos, mas o origami como hoje o entendemos implica um conceito recreativo que não existia antes do século XVII).

Origami

Os segredos do papel deixaram a China por volta do ano 750, iniciando a sua viagem até à Ásia Central e, depois, à Europa. Quanto ao origami, há quem ache que também viajou do Japão para a Europa, e quem encontre evidências de que se desenvolveu num lado e noutro de forma independente. O certo é que as ideias e os métodos foram-se misturando, até que o origami se tornou no que hoje conhecemos.

Na década de 1950, Akira Yoshizana e Sam Randlett criaram um conjunto padrão de símbolos de origami para descrever como dobrar papel em modelos. Estes símbolos permaneceram essencialmente os mesmos que são usados hoje nos diagramas de origami. Atualmente, existem milhares de livros de origami, diagramas de origami gratuitos na internet e vídeos de origami, e a arte continua viva e a evoluir.

Fotos: Gonzalo

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