Tesouro de equilíbrio ambiental e riqueza socioeconómica, a floresta é também – para muitos, sê-lo-á acima de tudo – um sinónimo de qualidade de vida. É o lado sensorial da floresta, a vertente emocional, familiar, de lazer.
Para cada um de nós, a floresta é uma experiência única, porque moldada pelos sentidos. Inspiração de artistas, foi berço criativo para grandes obras. Ainda recentemente, em Lisboa, a Fundação Calouste Gulbenkian apresentou o ciclo de concertos “Florestas Silenciosas”, onde não faltou a obra homónima de Dvorák, numa iniciativa definida como “Uma forma de ouvir como a Natureza pode ganhar vida através das notas musicais.”
A floresta é um tesouro de cada um, para ser partilhado por todos. Em troca de tudo o que nos dá, pede apenas que a tratemos com respeito. Isso inclui causar o mínimo impacto possível quando a visitamos em lazer, mas também geri-la de forma responsável quando exploramos as suas matérias-primas, nomeadamente plantando árvores para esse efeito, criando assim novas florestas, num ciclo virtuoso e sustentável.
Voltar à natureza
As árvores mexem com o imaginário humano desde o início dos tempos. Admiramos a sua força, a sua flexibilidade, e agradecemos a ajuda na produção do ar que respiramos. O sussurrar do vento nas suas folhas, o cheiro que emana da sua casca ou a visão de um carreiro de formigas marchando numa perfeita linha reta sobre o seu tronco, são suficientes para nos lembrar da magia da natureza e de como as árvores a incorporam.
A floresta reconecta-nos com o que é primordial. E por isso deixa-nos com os sentidos alerta. Tudo é mais intenso quando caminhamos num trilho, à sombra das árvores. As cores são mais vibrantes, os cheiros são mais fortes, a relva é mais macia, o piar dos pássaros é mais melódico, e até a maçã que trouxemos na mochila sabe melhor.
Passar tempo na floresta melhora o nosso humor. Isto é o que a intuição sempre nos disse, mas que, nas últimas décadas, começou a ser explorado de forma mais científica. Hoje são muito os estudos que mostram que fazer exercício físico nas florestas, ou simplesmente sentar-se a olhar para as árvores, reduz a tensão arterial e as hormonas relacionadas com o stress (cortisol e adrenalina).
Usando o teste do Perfil dos Estados de Humor (teste POMS – Profile of Mood States), os investigadores foram descobrindo que passar algum tempo imerso na floresta diminuía significativamente a ansiedade, depressão, raiva e fadiga.
Na Finlândia, por exemplo, o Governo financiou pesquisas que pediram a milhares de pessoas que avaliassem o seu estado de espírito e os seus níveis de stress após visitarem áreas naturais e áreas urbanas. Com base nesses estudos, a Professora Liisa Tyrväinen e a sua equipa do Instituto de Recursos Naturais da Finlândia recomendam uma dose mínima de exposição à natureza de cinco horas por mês, distribuídas em várias visitas curtas por semana, para manter o humor em alta.
Ainda assim, passamos tempo na natureza não porque a ciência nos diz para o fazer, mas porque é algo que nos faz sentir bem.
A conversa secreta das árvores
As árvores falam entre si, através de uma rede de fungos que os cientistas apelidaram de Wood Wide Web. Algumas usam este sistema para partilhar recursos, enquanto outras se servem dele para sabotar os rivais. Nesta rede de fungos micorrízicos (uma camada de filamentos que ligam cerca de 90% das plantas terrestres), as árvores partilham informações e alertas (como perigos de infestações de insetos), e as mais “crescidas” podem partilhar açúcares com as mais jovens, aumentando as suas hipóteses de sobrevivência.
Merlin Sheldrake, um cientista da Universidade de Cambrigde que estuda estas redes, disse em entrevista à The New Yorker: “Sempre que preciso de explicar a minha pesquisa de forma simples, digo que trabalho nas redes sociais das árvores.” Porque é mais ou menos disso que se trata. Uma rede social enorme, capaz de envergonhar os números do Facebook ou do Instagram, com nada menos que 3,04 biliões de utilizadores. Todos envolvidos numa conversa invisível, que nós humanos ainda não conseguimos decifrar. Mas, se de cada vez que nos embrenharmos na experiência sensorial que é a floresta, aprendermos a escutar com o coração… quem sabe?
“As árvores nos sobreviverão”
Escritor, poeta, pintor, tradutor. Miguel de Castro Henriques é um homem de muitos ofícios, com raízes profundas na natureza e na floresta. Fala-nos da magia das árvores e da ligação afetiva que mantemos com elas.
“Celebrei as minhas bodas com a natureza muito em miúdo. Sempre gostei de estar no meio dos bosques. A floresta educa-nos. Fala-nos de mil maneiras. Transcende o pensamento. É uma coisa muito sensorial e muito profunda.”
Quando lhe perguntamos se é às árvores que vai buscar inspiração para a sua arte, sorri. “Inspiração”, repete em tom meditativo. “Inspirar. Ar. Não há inspiração possível sem as árvores! Estamos ligados às árvores pelo simples facto de que respiramos e de que precisamos de respirar para viver. É uma relação mais do que simbiótica. Estamos em rede com as árvores. Se elas desaparecerem, nós desaparecemos também. Por isso, sim, a minha inspiração é um sentimento de participação sensorial com a natureza. É um exercício de todos os sentidos. Um poema meu, por exemplo, aspira a ser natureza. Uma essência da natureza.”
A ligação do Homem às árvores é algo que o apaixona. “A natureza é cheia de espírito, de inteligência, de sensibilidade”, diz. “Nunca percebi a expressão ‘no tempo em que os animais falavam’, porque esse tempo é agora. Toda a natureza fala. É preciso é ser capaz de a ouvir. Para isso é preciso conseguir serenar a tagarelice constante da nossa mente. É preciso alcançar um silêncio interior, para percebermos uma linguagem que não é igual à nossa, mas que está lá. É esse silêncio que procuramos quando nos embrenhamos na floresta.”
“A floresta também se faz de aromas”
Cheira a musgo, a chuva, a troncos de árvore, a flores, plantas e caminhos forrados a agulhas de pinheiro e folhas de eucalipto. Fernanda Delgado, engenheira agrónoma, professora e investigadora na Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Castelo Branco, desperta-nos para o olfato.
“As plantas são o ser vivo mais maravilhoso que existe”, afirma Fernanda Delgado logo para início de conversa. “Nós não conseguimos viver sem elas, mas elas vivem perfeitamente sem nós.” Esta admiração levou-a a estudar a fundo as plantas aromáticas e medicinais, na vertente de produção, mas também da biodiversidade natural. “São plantas que as pessoas utilizam, que inalam, que ingerem, pelo que é preciso conhecê-las muito bem”, explica.
Do eucalipto ao alecrim, da alfazema ao pinho, muitos são os cheiros que despertam memórias e nos trazem uma leve sensação de familiaridade. Mas, neste campo dos aromas, o sentido da visão também desempenha um papel fundamental: “Há uma parte visual muito intensa, que faz com que as pessoas parem e vão conhecer as plantas. O amarelo dos tojos e das carquejas, o lilás das lavandas e dos rosmaninhos… Nesta altura do ano, estas plantas ajudam o turismo da natureza, sendo fonte de caminhadas e de passeios.”
Mas não é só o aspeto visual da floresta que ganha vida com a primavera. “Os aromas são exalados com o aumento das temperaturas”, esclarece Fernanda Delgado. Mas há uma exceção cheirosa e florida durante o ano inteiro: o alecrim.
Nas árvores, destacam-se o eucalipto, o pinheiro e o cedro, como as que produzem aromas mais facilmente identificáveis. Uma das utilizações mais frequentes destes aromas da floresta é a produção de óleos essenciais naturais. O óleo de eucalipto, por exemplo, é um dos mais comercializados no mundo. Provavelmente porque o seu cheiro é também dos mais reconhecidos e apreciados. “Quando chega o calor, passa-se numa zona de eucaliptos e o cheiro é delicioso”, conta a especialista.