A pouco mais de meia hora de carro a sul de Lisboa, concelho do Montijo adentro, passamos por Santo Isidro de Pegões e atalhamos para os viveiros, já no concelho de Palmela. Antes de se alcançar o casario térreo dos escritórios da Herdade de Espirra, os pavões são os primeiros a receber-nos, de pescoço azul e com uma vistosa cauda colorida armada.
Para além dos viveiros, nesta herdade também há extensas áreas de sobreiro, pinheiro-manso, eucalipto e choupo. E vinho, que homenageia os exuberantes anfitriões das penas coloridas em duas variedades: o Pavão de Espirra Tinto e o Pavão de Espirra Rosé.
“Entre nós, aqui nos viveiros, a área dos vinhos e a da floresta, há sempre pessoas com as mãos na terra o ano inteiro”, afirma Miguel Ferrinho, responsável pelos Viveiros Aliança – assim se chama o trio de viveiros da The Navigator Company.
Para além deste, que é o maior (20 hectares), inclui ainda o da Caniceira (11 ha), perto de Abrantes, e o de Ferreiras (2,5 ha), em Penamacor. Juntos, são território onde nascem cerca de 10 milhões de plantas, não só para florestação própria, mas também para venda para o exterior, desde eucaliptos clonais a plantas ornamentais e arbustivas.
O processo
É entre maio e agosto que decorre a campanha de produção do material clonal que há de ser plantado no outono e na primavera do ano seguinte.
A propagação deste material faz-se por estacaria, um processo de produção de plantas a partir de estacas cortadas de uma planta mãe. Em 2018, fez-se um investimento de ampliação da produção de 6 milhões de plantas clonais para 8,6 milhões.
Para atingir esse objetivo, uma das vertentes passou por produzir em mini-estacaria (um método de produção muito usado no Brasil em eucaliptos tropicais, que recorre a estacas mais pequenas e herbáceas do que na macro-estacaria que se usa em Espirra), pelo que, resguardado numa das estufas, está um miniparque clonal experimental cedido pelo RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e do Papel, com mini-eucaliptos que em tudo se parecem com árvores bonsai. “Estes pés-mãe estão constantemente a ser podados, e os rebentos vão fazer estacas para a produção de clones”, explica Miguel Ferrinho.
De tesoura de poda na mão, estão duas equipas de Colaboradoras. Ao redor das manilhas, podam os pés-mãe, para os preparar para a próxima campanha de produção que começa em maio.
No parque de pés-mãe ao ar livre estão 70 mil pés-mãe, de vários clones distintos, em centenas de manilhas que se transformaram em canteiros; mais à frente, há outros tantos plantados no solo. “Durante a campanha, cada um destes pés-mãe vai produzir em média 80 a 90 estacas; alguns, passados 10 dias, já voltam a ter rebentos”, assegura Maria Pêgas, supervisora que cuida destas plantas há quase 20 anos.
Quando for altura da estacaria, “depois de cortarem o rebento, e com mais uns cortes que eliminam grande parte da superfície das folhas, faz-se a estaca que é plantada num tubete com substrato; ao fim de algum tempo temos a planta clonal”, explica Miguel Ferrinho.
“Quando vemos o olhinho vermelho a espreitar, é sinal que vai dar”, diz Maria Pêgas. “Isto é como cuidar de meninos, temos de falar muito com eles, senão…”, remata alegremente. O “olhinho vermelho” é o primeiro sinal das novas folhas que vão crescer a partir da estaca.
O início da produção da estaca é passado na biofábrica (fábrica biológica); de seguida vai para as casas de sombra, verdadeiras incubadoras, onde os pequenos eucaliptos estão muito protegidos: “Há regras rígidas para manter este espaço em microclima muito controlado, com muita humidade; é a fase mais crítica, a de sobrevivência da planta”.
A fase seguinte, que dura entre 25 a 30 dias, é a de enraizamento; depois são colocadas ao ar livre (fase de acampamento), onde “ficam expostas às condições atmosféricas para ganharem robustez e resistência, para mais tarde serem plantadas”, refere Miguel Ferrinho.
Nas três casas de sombra para plantas clonais, bem como na biofábrica, há todo um constante e minucioso trabalho de acompanhamento e triagem; é preciso também tirar as plantas infestantes, que roubam energia, e fazer a adubação.
Os Viveiros produzem adicionalmente dois milhões de eucaliptos seminais, alguns normais (selecionados) e outros melhorados.
No primeiro caso, “recolhe-se a semente em plantações de eucalipto, quando estão a corte, e mais tarde semeiam-se em tabuleiros”, revela Miguel Ferrinho. “O resultado acaba por ter associada alguma incerteza, pois podemos saber quem é a árvore mãe, mas não sabemos quem é o pai. No caso da semente seminal melhorada, provém de um pomar de produção de semente com um hectare, aqui na herdade, onde se plantaram os melhores clones para que se pudessem cruzar entre si, numa zona longe dos outros eucaliptais, para evitar contaminação com pólen exterior. Sabemos que à partida vão dar uma boa planta de eucalipto; os estudos do RAIZ apontam para um crescimento de 15 a 20% superior ao da seminal normal”, explica o responsável pelos Viveiros Aliança.
De pequenino…
As plantas só saem do viveiro depois de serem certificadas. A certificação da planta começa logo na semente, com a obrigatoriedade de a registar junto do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que é a entidade externa que passa o certificado.
“Como o investimento na floresta é a longo prazo, convém que a planta seja de boa qualidade, para garantir um crescimento durante muitos anos” – Miguel Ferrinho
Dos quatro níveis de certificação existentes, as sementes do pomar de eucaliptos desta herdade detêm o mais alto: “O nosso pomar em Portugal é o único de categoria testada”, informa o responsável.
“Os viveiros são o início da cadeia de produção, são a maternidade. Os eucaliptos que saem daqui têm bons ’princípios’, mas depois, tal como nas crianças, é preciso haver uma boa educação ao longo da vida, e uma boa alimentação, para se tornarem adultos de sucesso”, remata. Assim se pensa e se produz uma floresta desde o berço.
A clonagem
Na Herdade de Espirra, paredes-meias com os Viveiros Aliança, existe um polo do RAIZ – Instituto de Investigação da Floresta e do Papel, que trabalha na área da investigação clonal, em estreita colaboração com os viveiros.
“Nos viveiros produzem-se plantas de seis clones que já deram provas do seu desempenho. Nós trabalhamos com centenas, à procura do melhor, com boas propriedades de enraizamento, de madeira, de crescimento… No final selecionamos só mesmo os melhores e propomo-los ao viveiro – são o resultado de um trabalho de anos e anos”, explica Joana Costa, investigadora na área da biotecnologia e propagação vegetativa.
Prática milenar na agricultura, o trabalho de clonagem mais não é do que a propagação de plantas através de estacas: “cortamos o rebento de uma árvore, aproveitamos uma secção desse rebento, colocamo-la num tubete com substrato, fazemos a rega, e sabemos que a árvore que vai nascer dali é igual à árvore original, pois não houve mistura genética”, explica Miguel Ferrinho.
Isto é, a planta progenitora e o clone são geneticamente idênticos. Não havendo cruzamento de indivíduos, como na produção seminal, designa-se a produção de plantas clonais por estaca por propagação vegetativa.
Há muito que as áreas florestais das empresas precursoras da Navigator tinham programas de seleção massal no terreno, como explica Miguel Ferrinho: “As equipas iam para o campo identificar as árvores mais bem conformadas, com maior crescimento e melhor vigor, e cortavam os rebentos, que de seguida eram levados para laboratório e replicados por estacaria, ficando-se com plantas iguais à que foi colhida no terreno, que por sua vez era posteriormente plantada em ensaios para avaliação do seu potencial”.
Material distinto é o da planta seminal: “Quando há sementes, há um pai e uma mãe, há uma recombinação genética, da qual resulta sempre um conjunto de indivíduos geneticamente diferentes uns dos outros”, esclarece o responsável.
O trabalho do RAIZ passa também por cruzar clones das primeiras gerações de plantas colhidas no terreno, provenientes da seleção massal. “Ao cruzá-los, há uma recombinação genética, os genes das árvores pai recombinam-se com genes das árvores mãe e resultam indivíduos distintos.” Depois de plantados no terreno, verificou-se que “Ainda são mais produtivos que a geração anterior”.
José Araújo, responsável da equipa de desenvolvimento de material clonal, explica que o objetivo é sempre o mesmo: “Ir melhorando o valor médio das plantas produzidas pelos Viveiros Aliança”.